Lina Pereira entrou no ‘Big Brother Brasil’ de peito aberto, disposta a desnudar a si mesma e toda a sua história diante do Brasil. E foi o que fez. Olhando em retrospectiva, hoje ela avalia que, durante mais de 80 dias no confinamento, mostrou um jogo pautado no diálogo, em que as relações eram sua fortaleza e, ao mesmo tempo, sua fragilidade. Os adversários apareceram em sua trajetória de maneiras diferentes: jogavam contra seu grupo, mas, em um dos momentos decisivos do confinamento, abriram mão de uma prova de resistência e consagraram a liderança da artista. Deixaram em suas mãos a difícil decisão de seguir votando naquele grupo ou fazer diferente diante de um gesto importante. Essas e outras escolhas no jogo trouxeram consequências a longo prazo: no último paredão, em que enfrentou Eliezer e Gustavo, Lina foi eliminada com 77,6% dos votos. No lugar de R$ 1,5 milhão, ela diz que levou para casa outro prêmio: “Eu entrei no BBB como Linn da Quebrada. Uma Linda que brada, que berra, que borda, que burla, que erra, que acerta, que escuta. E dentro da casa eu tive a possibilidade de ser a Lina Pereira. Tive a possibilidade de me humanizar. Eu sinto que esse foi um aspecto muito importante. Eu reaprendi a me ouvi e a entender que eu precisava ser generosa comigo também”, pontua.
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Na entrevista a seguir, Lina também fala sobre as amizades que fez no BBB, expõe sua maneira de acreditar que nem tudo está perdido em uma competição e destaca momentos importantes que viveu na casa.
Como foi a experiência de participar do ‘Big Brother Brasil’?
Participar do BBB foi uma das experiências mais malucas e intensas da minha vida, desde quando eu recebi o convite. Eu sou uma grande fã do BBB, acompanho desde as primeiras edições. E há muito tempo eu pensava no quanto fazia falta ter a presença de uma pessoa trans no programa. Desde a participação da Ariadna, há dez anos, não havia alguém assim. Essa era a possibilidade de contar a minha história ali dentro. E mais do que qualquer outra coisa, de poder rever outras versões para além das questões relacionadas à sexualidade e gênero dentro da casa. No BBB, a gente vive muitas emoções ao mesmo tempo. Eu entrei na casa com a sensação de que o jogo era uma coisa, muito por ter em mente as outras edições. Mas lá percebi o quanto cada edição do BBB é completamente diferente da outra. Por mais que as histórias acabem se cruzando, o que se conta em uma edição é único.
Você falou bastante sobre a importância de uma pessoa como você, artista, travesti, com sua história de vida, suas lutas e tudo o que isso representa, ganhar o BBB. Você não levou o prêmio, mas chegou muito perto do final da temporada. Como você enxerga esse desempenho e que história ele conta?
Eu entrei achando que fosse me dar muito bem no jogo, que seria boa nas provas, iria ganhar liderança, anjo, e que com isso eu iria ter o poder de decisão no game. Mas eu vi que o jogo que eu fiz estava conectado às relações, era o jogo das relações. E nesse jogo das relações eu me vi fragilizada em alguns lugares, como no erro de um pronome em um contexto em que eu me via exposta, sem saber necessariamente como lidar porque, de certa forma, me sentia sozinha diante dessas questões. Isso me vulnerabilizava, já que eu não entendia como era a melhor maneira de agir. Eu sabia que os erros fazem parte da nossa trajetória e é importante encará-los para que a gente possa ir além deles. Eu lidava de uma forma leve e isso levava leveza para as outras pessoas diante de mim e dos erros que elas estavam cometendo, mas fazia com que eu carregasse um peso maior diante daquelas questões. A minha forma de atravessar o programa foi um pouco pedagógica em relação a tudo que eu carrego no meu corpo, à história que eu conto e ao que me levava ao programa naquele momento.
Que surpresas essa experiência te trouxe?
Eu senti um medo da rejeição, de ir ao paredão logo no início, e acho que isso vem um pouco de uma história anterior do BBB em que a Ariadna saiu na primeira semana. Eu queria ter a possibilidade de desfrutar do programa para contar a minha história com mais tempo. Eu sinto que nesse lugar eu venci porque eu consegui viver relações profundas. Nisso eu me surpreendi. Eu imaginava que iria criar laços fortes, mas não imaginava, por exemplo, que eu construiria uma relação como a que eu construí com a Jessilane.
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Jessilane, você e Natália tiveram uma grande afinidade e acabaram se unindo logo nas primeiras semanas do programa, formando um grupo que o público apelidou de “as comadres”. Na sua opinião, o que uniu vocês lá dentro?
Nós somos muito diferentes. Mas eu sempre acreditei que, em algum lugar, a diferença poderia nos unir, justamente por ouvir a Jessi, ouvir a Nat e entender o que nelas poderia me acrescentar naquela trajetória; entender onde, apesar de muito diferentes, a gente poderia encontrar pontos em comum. A nossa relação era o que nos fortalecia, mas a maneira como a gente lidava com nossos conflitos, que acabava indo para toda a casa, nos fragilizava.
O que acha que gerava essas situações de fragilidade e de conflitos entre vocês?
Nós somos muito diferentes e os nossos conflitos pessoais acabavam aparecendo na frente do jogo. Mesmo assim, a gente vencia muitas questões justamente porque tinha maneiras diferentes de lidar com o jogo e com as estratégias que a gente gostaria de propor. E uma coisa que eu achei muito bonita foi que a gente não precisou se anular pela outra pessoa. A forma como a Jessi encarava as decisões dela em relação ao posicionamento de grupo, a minha forma de pensar as estratégias para que a gente conseguisse sobreviver e avançar no programa e a maneira como a Natália lidava com essas estratégias no grupo eram muito diferentes.
Quais foram os seus aprendizados no reality?
Sinto que eu aprendi muito. Aprendi a jogar jogando. Eu tinha uma ideia que se mostrou completamente diferente, vivi intensamente todas as coisas dentro da casa: a Xepa, o Vip, as provas e as frustrações diante delas, por não ganhar e, consequentemente, não fazer parte de um grupo que tinha o poder de decisão. Ainda estou digerindo e entendendo o que significam todas essas informações. Eu entrei como Linn da Quebrada. Uma Linda que brada, que berra, que borda, que burla, que erra, que acerta, que escuta. E dentro da casa eu tive a possibilidade de ser a Lina Pereira. Tive a possibilidade de me humanizar. Eu sinto que esse foi um aspecto muito importante. Eu reaprendi a me ouvi e a entender que eu precisava ser generosa comigo também. Eu vinha sendo muito generosa com todas as pessoas ao meu redor, era preciso ser generosa comigo. Tinha momentos em que eu não sabia o que fazer! Vamos falar a verdade: fui fazer a prova de resistência e saí dez minutos antes do fim. Que palhaçada! (risos)
Se pudesse citar um momento especial que viveu na casa, qual seria?
Um momento muito especial para mim, o primeiro que me vem à cabeça, é especial porque foi um ápice de dificuldade e de alegria: quando eu ganhei a liderança. Quando os meninos abriram mão de continuar na prova e, naquele gesto de pular, veio a liderança. Ali eu tive a oportunidade de levar a Jessi e a Nat para o Vip, pude desfrutar da minha festa e de viver um momento muito importante. Ao mesmo tempo, foi um momento de dificuldade porque eu ganhei a prova e, ainda assim, parece que a minha liderança veio de um movimento dos meninos. Foi conturbado, mas muito feliz. Eu tive a minha festa e os meninos dançaram horrores comigo. A festa foi linda, eu me senti lindíssima! Esse momento foi muito chique!
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Durante a temporada, você enfrentou um paredão verdadeiro – e outro falso – e permaneceu na disputa. Mas, foi eliminada desta vez, na berlinda com Gustavo e Eliezer. O que foi decisivo neste momento?
Acho que foi decisivo o que as pessoas esperavam que eu tivesse feito quando ganhei a liderança dessa forma. Acabou sendo um ponto que modificou o olhar sobre a minha trajetória, apesar de eu conversar com o Paulo André, Douglas Silva e Pedro Scooby sobre isso. Agradeci o gesto lindíssimo que eles tiveram, mas ao mesmo tempo me vi uma “saia injusta” de entender o que era necessário fazer, se devia assumir os conflitos que eu já tinha com PA e com DG naquele momento ou não. E não é que ali eu esqueci que tinha o Gustavo disponível para voto, eu não pensei nessa outra possibilidade porque aquele não era um conflito para mim naquele momento, então, ele não era uma opção. Mas hoje eu vejo que a indicação do P.A modificou minha trajetória, de uma certa forma. Os meninos vêm se tornando cada vez mais fortes, e sinto que isso, somado a outras coisas que estou vendo aqui fora sobre como o jogo tem se desenhado, fez com que o público me tirasse do BBB.
O paredão falso e a volta do Arthur na última quinta-feira foram um choque para você, Jessilane e Natália. O que isso significou para o jogo de vocês?
Foi um baque, não vou mentir. Quando a gente entendeu que foi um paredão falso e eu estive nesse paredão falso, isso fez com que eu questionasse a minha força ali dentro da casa. E não só isso, mas fomos formulando suposições e algumas certezas em relação aos meninos. O paredão falso acabou evidenciando os dois grupos que existiam naquele momento: eu, Jessi, Nat e Eli, que nos tornamos um grupo pela nossa situação; e o grupo dos meninos. Quando o Arthur saiu, trouxe a sensação de que nós também poderíamos continuar avançando no jogo, sermos fortes, como a Jessi mesmo citou quando indicou o Arthur. E vamos falar a verdade? Hoje eu penso que ela não deveria ter indicado o Arthur (risos). Foi uma jogada arriscada a que fizemos para entender nossa força no jogo. Comemoramos, nos jogamos na piscina e depois remoemos isso, pensando que o Brasil estava rindo da nossa cara pela comemoração. Eu não quero ver piscina mais! (risos) Mas, por tudo isso, quando o Arthur voltou foi um baque. Começamos a entender que ele estava muito forte fora da casa. E, ao mesmo tempo, entendemos que o que tivesse de acontecer iria acontecer, não adiantava a gente ficar se segurando ou arriscando menos por medo de jogar e de enfrentar esses embates. Senão, a gente deixaria de indicar as pessoas, enfrentar as questões, e seria melhor jogar o prêmio na mão do outro…
Você, Jessi e Nat comentavam bastante que se sentiam fragilizadas diante do grupo formado por PA, Scooby, DG, Gustavo e Arthur. Por que tinham esse sentimento, se as eliminações estavam mais voltadas para os integrantes do grupo Lollipop?
Acho que pelo contexto de que eles já vinham ganhando todas as provas e, a partir disso, vinham tendo o poder de decisão sobre o jogo. Todas as grandes movimentações que foram desenhando o jogo partiram deles. Até mesmo quando eu ganhei a liderança! E não é que dentro do grupo deles todos concordavam com tudo entre si, mas apesar de seus conflitos internos, eles conseguiam deixar essas situações aquém do jogo. Eles passavam por cima dos conflitos pessoais para que o jogo prevalecesse. E eu sinto que o que nos fragilizava era que a gente, nesse mesmo lugar, tinha conflitos internos enquanto grupo e esses conflitos ficavam à frente do jogo. Nossa vulnerabilidade ficava meio “dada”. Além disso, os meninos estavam indo aos paredões e sempre voltando. Parecia que quem batesse com eles, sairia. Quando surgiam comentários de que a gente tinha ficado em nossos paredões porque estávamos numa posição de figurantes, isso fazia com que a gente questionasse nossa força dentro da casa. A gente não conseguia fazer grandes movimentações no jogo que evidenciassem nossas estratégias, a não ser os embates dos jogos da discórdia, que eram momentos em que eu conseguia falar o que estava pensando. Eu conseguia me articular no diálogo. Meu jogo vinha nesse diálogo e nessa maneira de influenciar através de um embate dialogado. Eu joguei através do diálogo, da minha conversa com os outros participantes tentando fazer com que o jogo se movesse para outros rumos.
Você ficou mais de 80 dias na casa. Olhando em retrospectiva, teria feito algo diferente?
Hoje eu digo que sim. Não teria votado no P.A! (risos) Mas, naquele momento, isso nem se passou pela minha cabeça. Parecia que aquela era a melhor opção para o jogo, enfrentar os embates, por mais que aquilo fosse difícil porque não era algo que eu queria fazer. Talvez, ouvindo um pouco aqui fora sobre o que as pessoas esperavam, eu pudesse ter sido um pouco mais embativa em relação aos erros que me atravessavam. Mas eu sinto que eu fiz isso da melhor maneira que eu podia para que eu também não ficasse excessivamente exposta e me violentasse mais uma vez, exigindo de mim, ali sozinha, uma força para questões que nenhuma outra pessoa entendia ou vivia na pele. Sinto que o modo como eu apresentei as minha dores e os meus incômodos foi em um lugar de “deixa eu te explicar por que eu estou me sentindo assim”. Fiz de uma maneira mais acolhedora do que embativa.
Para quem fica sua torcida agora?
Adivinha? (risos) Para a Jessilane, muito muito muito! Eu me apaixonei pela Jessi. Ela teve uma trajetória em que se transformou muito na casa, no decorrer do jogo. Ela é extremamente encantadora. Conhecer mais da história dela, ouvi-la falando sobre educação, sobre Biologia, sobre a ciência e ver o modo como ela trata a vida e como ela é empolgada com o jogo, como aquilo é um sonho, me encantou muito. É por isso que minha torcida com certeza vai para ela.
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Você acha que ela tem chances de chegar à final?
Não sei. Eu quero acreditar que sim, mais uma vez. Quero acreditar que temos força, sim. Aqui fora, com tudo que eu puder contribuir para que ela se fortaleça lá dentro, eu contribuirei. Eu nunca vou ter o jogo como dado porque eu acredito que esse jogo se encerra dentro da casa, mas a disputa de ideias, de como a gente constrói a narrativa, não. O BBB é um processo. A minha história não começa no ‘Big Brother Brasil’ e ela não se encerra nele. O BBB é um trampolim onde eu conto essa história, e ela vai continuar. Por isso, a minha torcida continua sendo para a Jessi e para a Natália. Eu acredito que, mesmo aqui de fora, eu posso continuar torcendo por elas e acreditando que o jogo sempre pode mudar.
Quais são seus planos para essa nova fase? Quer continuar investindo na carreira de atriz, cantora e envolvida com a arte?
Eu quero fazer de tudo um pouco. Quero entender quais portas vão se abrir para mim, que oportunidades eu posso agarrar, qual será a melhor maneira de desfrutar disso tudo a longo prazo. A Anitta falou comigo, gente, então quem sabe não vem o feat? Já pensou? Estou aí praticamente no “sertransnejo” agora, então quem sabe um feat com a Naiara Azevedo também? (risos) Quero entender o que eu posso cantar, que histórias eu posso contar. Acho que todo mundo percebeu que eu sou muito apaixonada por conhecer o outro e a outra. A comunicação é não só uma ferramenta como uma arma, que é muito importante ser impunhada. Então tem a possibilidade de ter um programa, de entrevistar pessoas… Um outro sonho que eu tenho há um tempo é o de escrever um livro. Quero muito ter a possibilidade de contar histórias, inventar histórias, ficcionar a realidade. Contar e cantar histórias novas, que ainda não foram imaginadas. Quero um pouco de tudo isso! Tudo que me aparecer, vou olhar com bons olhos.