De volta as novelas, Lúcio Mauro Filho vai viver um poeta e editor de uma livraria em Bom Sucesso, próxima novela das sete da Globo. Na trama de Rosane Svartman e Paulo Halm, o ator será Mário, um amigo de infância da família Prado Monteiro e que nutre uma paixão platônica por Nana (Fabiula Nascimento).
Esse é o segundo papel de destaque do ator em novelas, que depois de 14 anos vivendo Tuco em A Grande Família, queria mesmo personagens fora da linha de humor. Depois do humorístico, ele ainda fez Chapa Quente, também na mesma linha, e depois ganhou um papel em Malhação.
Em conversa com o Área Vip, Lúcio, que perdeu o pai, o humorista Lúcio Mauro, em maio deste ano, contou ainda como foi o processo de aceitação.
Conta um pouco sobre seu personagem?
O Mário é o editor-chefe da Prado Monteiro, é poeta também. É um poeta que não vingou, não é um poeta popstar. Na verdade, eu acho que ele não tem essa característica, essa vaidade de ser um nome. Ele é mais resignado nesse sentido. Acho que isso se deve pelo fato de trabalhar ali há muitos anos. Ele foi absorvido pela empresa muito jovem, por ser um amigo de infância e adolescência de Nana. É aquele namoradinho de infância que vira amigo da família. Acho que ele galgou os degraus da profissão dentro do ambiente da editora, então eu acho que é a verdadeira casa do Mário. Ele tem um amor platônico por Nana que atravessa os tempos, uma amizade com o Marcos (Rômulo Estrela). Ele foi com certeza um conselheiro, um amigo mais velho que a família delegava a função de segurar a onda do moleque. E por isso mesmo que o seu Alberto (Antonio Fagundes) tem um carinho especial por ele. Para além do profissional, ele é aquela pessoa meio que agregada da família.
Vai ter humor no personagem?
Para o humor não, mas ele é bem-humorado. Ele é sarcástico e muito provocador. Ele tem no ambiente de trabalho essa especificidade, que é o fato do marido (Diogo – Armando Babaioff) de Nana também estar por ali porque é o advogado da editora. Existe um embate, uma implicância dele com o cara e vice-versa. O Diogo é um cara manipulador e está sempre armando. O Mário é um contraponto, ele é um cara da paz e tudo, mas que tem as suas armas também.
Você se inspirou em algum poeta para compor o Mário?
Em um poeta não necessariamente. Não vou dizer que é uma raridade, mas editores-chefes que são poetas é curioso. Não diria uma contradição, mas curioso. Um editor-chefe é um cara que tem que ser um pouco rabugento, de uma certa maneira. Ele tem uma responsabilidade muito grande dentro de uma editora. Por isso mesmo, uma figura que tem esse lado desleixado, a princípio, você desconfia. Agora, ele delega muito bem as funções porque é muito querido. Ele se aproveita muito disso. Acho que ele sabe tocar a editora na base do afeto, amizade e reconhecer os talentos. Isso já estava um pouquinho no texto, e agora que começamos a gravar no cenário, isso veio muito. Aí pela intuição do ator, pela nossa preparação, o personagem foi indo para esse lugar de ter uma confiança muito grande nas pessoas que lhe cercam. A editora sênior, o menino do marketing, todos têm um sorriso e uma comunicação que, talvez, esteja aí o sucesso dele enquanto um editor-chefe. Eu fui pincelando figuras interessantes da literatura, então ele tem um pouco de Xico Sá, Gregório Duvivier. Ele é dessa turma mais boêmia. Acho que se fosse me inspirar em alguém especificamente, talvez eu perdesse um ‘molho’ que é justamente o diferencial desse personagem dentro da trama.
Você já tinha algum contado com esse universo da literatura?
Na verdade, eu aproveitei uma experiência que tive. Meu primeiro longa-metragem, escrito por mim, se passa dentro de uma feira literária durante um final de semana. São três protagonistas, mas eu diria que o protagonista central é um escritor. Por uma coincidência maravilhosa do destino, há três anos eu vinha trabalhando nesse projeto e tendo que estudar, frequentar as feiras. Eu fui como uma eminência parda, em várias feiras, Flip, Tiradentes. Sempre participando das festas das editoras por causa do meu filme, para entender o universo do meu protagonista. Aí quis o destino que viesse um personagem como esse, um editor-chefe. Então a minha preparação começou há três anos [risos]. Talvez, isso também tenha influenciado a não escolher uma figura (inspiradora). Eu acho que quando não tem nenhuma informação, escolher uma figura é importante, inclusive, para a construção do universo do personagem. Mas como eu já estava com esse universo muito impregnado por causa do roteiro, me senti mais livre para experimentar. Eu já sou comediante, então, naturalmente, já tenho uma tendência ao ‘tipo’. Nessa minha volta às novelas, essa é uma preocupação que eu tenho que ter, de não cair naquele lugar aonde todo mundo já conhece, está acostumado e gosta, e tudo bem. Mas nós somos movidos por desafios. Essa coisa de não fixar em uma pessoa me ajuda a não cair na armadilha do ‘tipo’, que para um comediante de origem como sou, o ‘tipo’ está sempre querendo encarnar em mim.
A morte é um dos temas centrais de Bom Sucesso. Na ocasião da morte do seu pai, Lúcio Mauro, você declarou que estava bem e dando forças às pessoas. Você se preparou para essa perda? Como manteve a serenidade naquele momento?
São vários fatores. Primeiro, quando papai fez 80 anos, ele teve um probleminha de saúde, ficou no hospital internado e eu fiquei com ele. Me caiu essa ficha lá, por uma provocação dele mesmo. Ele tinha que ficar internado, ninguém conseguia o convencer e eu fui para lá depois do estúdio de ‘A Grande Família’. Ele perguntou para mim: ‘e se eu quiser morrer? Está tudo ok?’. Apesar de ter respondido que sim, eu vi que não estava. Isso acabou gerando a peça de teatro (Lúcio 80-30), que escrevi para fazer com ele e meus irmãos. Se passava dentro do hospital e o assunto era a morte. Mais uma vez, um trabalho anterior me preparou para uma emoção posterior. Na feitura da peça, eu fui estudar o assunto morte e o perder o patriarca. De uma certa maneira, iniciou em mim, nos meus irmãos e na minha família, essa questão ao finitude.
Quando isso aconteceu?
Isso foi há dez anos. Dois anos rodando o Brasil, foi uma maravilha. Com certeza renovou a vida do meu pai mais dez anos. A peça teve essa função. Ele foi fazer o filme do Selton (Mello), Malhação, depois com o Porchat e comigo o Vai Que Dar Certo. A peça, de uma certa maneira, começou a nos preparar porque falávamos com muita comédia e afeto sobre o assunto morte. É muito arriscado fazer uma peça sobre esse assunto se não for muito verdadeiro, afetuoso, igual como estávamos: pai e filhos. Falando da gente e dividindo com o público essa questão.
Como foi a preparação nos bastidores da novela para o elenco saber lidar com esse tema da morte?
O livro que usamos para fazer a preparação é sobre morte. Sobre se preparar para a morte e como fazer para que esses dias anteriores a morte sejam respiráveis, vivíveis. Então, mais uma vez, eu falei que nada é por acaso. Eu conversei muito com Fabíula porque ela é a minha crush, amiga e parceria de ‘Cinco Vezes Comédia’. Estamos vindo de três anos viajando pelo Brasil. De repente, eu falei: ‘amore, quer umas informações aí?’. Porque eu vivo exatamente o que a Nana vive. Eu sou o filho mais estruturado, que tem um super emprego, uma condição emocional bacana de ajudar. Sou casado, tenho três filhos, trabalho para caramba. Uma pessoa que tem essas demandas tem que ser organizada, senão não sobrevive. Isso também me ajudou muito na hora de prestar um apoio à minha família, essa organização das emoções e de tudo. Então é um lugar parecido com o que passa a Nana. Chega uma hora que você se sente sobrecarregado. Essa eminência de perder, eu vivi durante os últimos três anos.
E como está a relação de trabalho com a Fabíula nos bastidores?
Eu e a Fabíula conversamos sobre isso com muita naturalidade. Ela também acompanhou o jeito como eu lidei, esse jeito de falar também no momento da passagem do papai. Eu acho que não era uma obrigação, mas era um dever. Acho que uma pessoa que passa três anos cuidando de uma outra, que vai definhando, tem que entender também os sinais energéticos, espirituais e tudo. Não era hora de desespero. Talvez, se ele tivesse morrido no dia do AVC, há três anos, teria sido totalmente diferente. Eu não tivesse tido essa sabedoria. Mas do jeito como foi, havia uma serenidade também de saber que o cara teve uma vida linda e era vitorioso. O teatro lotado (no velório), todo mundo me parando no aeroporto. Eu virei a viúva do Lúcio Mauro, o pai. Eu continuei fazendo a peça, não parei nada na vida. Eu recebi uma quantidade de carinho que é o grande prêmio da vida do meu pai.
Você costuma sonhar com o Lúcio Mauro?
Eu sonhava muito com o papai no finalzinho, e sempre com ele bem. Você nunca sonha com uma pessoa na cama de um hospital. Em três anos de ‘home care’, eu nunca sonhei com o meu pai na ‘home care’. Toda vez que eu sonhava era com ele andando, falando, sem sequela nenhuma. Ultimamente não tenho sonhado.
Você tem mais de 20 anos de carreira, muitos projetos de sucesso e personagens inesquecíveis. Qual o balanço que você faz da sua carreira?
O desafio para o ator é sempre o melhor combustível. Eu sou geminiano, naturalmente já invento muita coisa para fazer. Passei quatro anos no Zorra, quase 14 anos de A Grande Família. Quando acabou A Grande Família, eu já queria experimentar outras coisas. Estava começando a apontar a seta para as novelas, quando veio o Cláudio (Paiva, autor) com Chapa Quente. Era humor, mas um personagem totalmente diferente: um policial, machista, homofóbico. Eu achei que seria legal para matar o Tuco, no sentido de fazer as pessoas enxergarem outras possibilidades no ator Lucinho. Porque quando terminou A Grande Família, as primeiras duas coisas que vieram me oferecer foi um cara que não queria virar adulto. A pessoa te coloca um rótulo. Então, quando eu vi aquele policial bigodudo e escroto, falei que era bom e foi. Quando acabou Chapa Quente, eu já estava muito querendo fazer novela, porque é o carro-chefe da empresa. Para um ambiente de novela, mesmo eu sendo um veterano, eu sou um novato. O público estava desacostumado de me ver da dramaturgia, no registro mais realista.
Quais novelas você já trabalhou?
Eu tinha feito A Viagem (1994). Inclusive, reencontrando o Fagundes agora 25 anos depois da minha última novela das sete. Fiz Andando nas Nuvens (1999), tudo papel pequeno. Malhação foi a primeira vez em que eu era um personagem da trama principal. E Malhação foi uma profecia que fiz lá atrás, joguei para o universo e que se concretizou.
Então você queria fazer Malhação?
Quando A Grande Família completou dez anos, eu já estava desesperado. Mesmo amando, para mim, eu já tinha cumprido a minha função. Tinha entrado com 25 anos, já estava com quase 40. Eu falava que ia passar tanto tempo em A Grande Família, que ia pular direito de filho para avó. Não ia dar tempo nem de fazer um pai. E a profecia se concretizou em Malhação, eu fui avô, nasceu o meu neto lá (na ficção). Para você ver como temos que tomar cuidado com as coisas que jogamos para o universo.
Como foi a experiência de integrar o elenco de Malhação?
Foi espetacular a experiência em ‘Malhação’. O Cao Hamburger e Paulo Silvestrini, uma turma com a qualidade lá no alto. Levou o Emmy. Um elenco fantástico com aquelas meninas superpreparadas. Um personagem (Roney) bonito, que era artista. Tinha uma graça, ao mesmo tempo a trama com uma filha que só dava problema. Uma gravidez com 17 anos, overdose de remédios para emagrecer, assuntos interessantes. Eu sendo pai de dois adolescentes, trazendo toda uma experiência da vida. Então fez com que a minha conexão com eles (os atores) se estabelecesse muito rápido.
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