Interpretar Diego em ‘Verão 90‘ é mais um desafio para a carreira de Sérgio Malheiros, que estreou na TV ainda criança, no papel de Raí em ‘A Cor do Pecado’. Na época ainda criança, o ator se surpreendia com a repercussão do personagem. Hoje, mais consciente do trabalho, Sérgio se sente cada vez mais responsável pelo seu discurso e interage com os seguidores nas redes sociais.
Na trama das sete, ele vive as voltas com o dilema de Diego na vida adulta. Além de alguns percalços depois de se formar em direito ele vai enfrentar obstáculos em seu relacionamento com Larissa (Marina Moschen). Em entrevista ao Área Vip, o ator falou sobre as questões raciais envolvendo tanto seu personagem quanto na vida pessoal.
Confira:
Como você analisa a história do Diego em Verão 90?
A história dele é muito bacana. Na verdade, a novela conta a história de personagens buscando o seu lugar ao sol nesse final do século. Cada um tem essa história de transformação de um lugar que se quer alcançar de algum jeito. No caso do Diego, essa transformação pessoal vem através do trabalho social. Ele decide que através do Direito ele vai conseguir fazer a diferença no país. Na faculdade ele acaba conhecendo a Larissa e esse relacionamento muda um pouco as convicções e paradigmas em relação a esse outro mundo que ele ainda não conhece, o mundo que a Larissa frequenta. Eles acabam entrando em choque, mas o amor dos dois vai fazer com que ele enfrente essas barreiras.
Você acha que ele vai saber lidar com esse preconceito?
Eu acho que esse preconceito é muito diferente, por mais que eu nem acho que dá para colocar nesse lugar de um preconceito. O Diego sofre tantas agressões durante o decorrer da vida, assim como todo jovem negro. Principalmente nos anos 90, quando a polícia era muito mais autoritária do que é hoje, ele é um cara que viveu a vida inteira na defensiva. É um cara que está sempre de punho fechado, porque foi assim que a vida e o Estado o receberam. É um cara que nasceu em um mundo adverso, então tem algumas barreiras que para ele são mais difíceis.
Como foi para você gravar a cena em que o Diego vai parar na delegacia no dia da formatura?
Foi muito legal. A cena do ônibus que eu publiquei nas minhas redes sociais me transportou para um lugar muito emocionante. Eu tive um primeiro contato com representatividade quando eu tinha dez anos e fiz o Raí (A Cor do Pecado). As pessoas falavam em todos os lugares: ‘Caraca, tem um menino lá na minha quebrada que é a sua cara’. E eu ficava impressionado, porque quando eu era criança eu não conseguia entender muito bem, mas essa identificação quando eu fui crescendo e amadurecendo, me entendendo como homem negro. Eu fui começando a entender porque as pessoas falavam isso. Porque era tão incomum ter uma criança negra em um destaque de protagonismo. Existiam outras crianças negras na televisão, mas nenhuma delas estava fazendo uma cena com o Lima Duarte em um carro de luxo. Esse lugar de representatividade faz parte da minha vida desde que eu me entendo por gente. Essa interação com o público que as redes sociais nos dão hoje é potentíssima. Causa uma transformação muito grande no público. Mas cada vez mais eu me sinto responsável pelo meu discurso, porque cada vez mais eu recebo feedback das pessoas que estão ouvindo o que eu estou falando desses temas.
Você já sofreu algum preconceito por namorar a Sophia (Abrahão)?
Eu acho muito ruim quando a gente fala de preconceito e coloca a Sophia na mesma frase, porque não é por causa da Sophia que eu sofro preconceito. Eu falei uma vez sobre isso e as pessoas sempre me perguntam sobre preconceito relacionando a Sophia. O preconceito racial está presente na minha vida inteira, o fato de eu ter sido uma criança famosa me blindou obviamente de situações de constrangimento, mas não me blindou do preconceito. O preconceito social está em tudo, desde o momento em que eu acordo e vou comprar alguma coisa em uma loja chique ou cara, até o momento que o produtor do elenco vai escolher para que personagem, ele vai me escalar ou vai escalar um ator branco. Eu não tenho como fugir disso e não tem haver com a Sophia o fato de eu sofrer preconceito.
Como você enxerga o fato de ter uma visibilidade maior e poder falar sobre essas questões para seus seguidores?
Eu tento falar sobre isso o máximo possível, mas eu também fico muito tranquilo. Eu acredito que eu trabalho contra o racismo não só com o meu discurso. Eu comecei a ter capacidade de articulação e pensamento para falar sobre isso agora, mas eu já venho trabalhando contra o racismo desde que nasci. Dentro da família do meu pai que é branco e minha mãe é negra. Quantas vezes minha mãe falou para mim que eu tinha o cabelo ruim? Por muito tempo eu me achei feio e por achar que meu cabelo era ruim, eu só andava com o cabelo raspado. Eu só deixava quando tinha algum trabalho para fazer e precisava.
Você conversa com a Sophia em relação a esses temas?
Sem dúvidas, a gente fala muito sobre isso até porque a gente quer ter filhos e os nossos filhos vão ser negros, ela sabe disso. Acho importantíssimo.
O negro hoje tem muito mais voz do que na época do Raí (A Cor do Pecado), certo?
Sim! Eu acho legal falar, eu sempre gosto de falar isso que hoje a gente tem muito lugar de fala porque a gente tem poder de compra. A gente começou a ficar ligado, a comprar e consumir produtos que valorizes a beleza negra. No capitalismo o maior ato político é a compra. Eu tento assistir séries com protagonistas negros, eu tento só assistir filmes e consumir produtos que contratem negros para publicidades. Eu acho importantíssimo que o dinheiro, a compra, seja nossa maior forma de protestar.
Você pesquisou sobre essa questão de racismo nos anos 90?
Sim. Esse trabalho de pesquisa dos anos 90 veio muito de entender como era a vida do negro nesse momento pós ditadura. Um momento de extrema brutalidade e autoridade policial. Mas a gente estava em um momento em que a polícia tinha muito mais liberdade de fazer o que quisesse, sem que nada pudesse acontecer. Eu acho que nesse momento infelizmente a gente está caminhando para um momento mais parecido com o que era. Essa era a principal revolta social dos anos 90 com os negros.
A galera nas redes sociais está muito feliz com o casal Larissa e Diego. Como você está recebendo isso?
Está sendo muito legal, a Marina (Moschen) é uma atriz muito talentosa, ótima para trabalhar. A gente se diverte muito. Eu acho que é um casal muito honesto e a Larissa é uma personagem muito diferente dos personagens que cercam o núcleo dela. Ela tem uma cabeça mais aberta, um pensamento progressista, e isso a aproxima do Diego. E agora tem altas cenas com o Kayky (Brito) que é meu amigo de longa data e a gente está se divertindo muito.
Você tem alguma lembrança dos anos 90?
Eu nasci em 93. Eu lembro pouquíssima coisa, principalmente da copa de 98, é a partir daí que eu começo lembrar das coisas. E também foi o momento que eu entrei na Globo, então eu começo lembrar dos meus primeiros passos da carreira.
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